FAMÍLIA BRASILEIRA TORCEU POR TRUMP E FOI DEFENESTRADA DOS EUA
DE: MARIANA SANCHES / Colunista do UOL
Evangélico vivendo nos Estados Unidos, ele torceu por Donald Trump e comemorou sua vitória, pois dizia: “ele irá proteger famílias, ao contrário da Esquerda, que defende ideologia de gênero”.
Ele é o brasileiro Rafael, imigrante indocumentado, que chegou aos EUA com a esposa Soraia e o filho de 4 anos, pagando cerca de R$ 50 mil a coiotes (atravessadores que colocam pessoas clandestinamente dentro do país). E apoiou a política do deportações do novo presidente americano: “o Trump vai mandar muita gente embora, porque tem muitos criminosos que vem de outros lugares. E eu concordo com isso”, dizia Rafael aos amigos.
Imigrante sem documentos, Rafael vivia com a mulher, Soraia*, e o filho de 4 anos do casal em Deerfield Beach, na Flórida. Trabalhava na construção civil, por diárias de cerca de US$ 200, e apostava que Trump seria capaz de aumentar a oferta de trabalho e reduzir a inflação.
E mantinha uma convicção: “eu não vou ser deportado, porque eu não tenho nenhuma ocorrência policial. Nem aqui, nem no Brasil. Sou trabalhador”. Infelizmente, viu sua fé ruir poucos dias antes de o americano completar 100 dias de mandato.
“O pessoal do ICE (Serviço de Imigração e Alfândega) marcou uma reunião numa quarta-feira de manhã, a gente achou que fossem falar algo do nosso processo (migratório), como já tinham feito antes. Mas não. Quando chegamos lá, eles disseram que estávamos sendo deportados, tomaram nossos celulares e nunca mais voltamos para nossa casa. O carro ficou parado ali no estacionamento mesmo. Em 48 horas, já estávamos no Brasil”, relatou Soraia* (os nomes são fictícios, a pedido do casal).
Moravam em uma confortável residência na Flórida, de repente a família se encontrou morando em um quarto na casa de madeira e sem ar-condicionado que pertence à sogra, uma aposentada de 74 anos – na cidade de Presidente Médici, Rondônia. A alimentação da família tem sido garantida pela aposentadoria do pai de Rafael.
Diante da nova realidade, ele nem quis falar á reportagem. “Ele está muito abalado, a gente realmente não esperava o que aconteceu”, contou Soraia. “Ele não é de chorar, mas fica calado, andando pelos cantos da casa”.
O desespero dela, contudo, não se explica apenas pelo fim do sonho de prosperidade que os EUA representavam. Ela sofre de uma doença rara, autoimune e crônica, e, na Flórida, fazia parte de uma pesquisa científica com um tratamento experimental, que vinha mantendo o quadro sob controle.
O médico responsável pelo estudo chegou a enviar uma carta para as autoridades dos EUA para dizer que Soraia “está sob meus cuidados devido a uma doença muscular imunológica grave que requer tratamento rápido e crônico e sem o qual a paciente pode ser gravemente afetada e levada à morte”. Mas nem isso foi levado em conta pelas autoridades daquele país.
Ironia do destino, ela terá que socorrer-se no serviço de saúde do país que abandonara pelo “sonho americano”. Soraia, agora, espera uma consulta pelo SUS com especialistas, mas não há previsão para o atendimento. A médica que a atendeu no hospital público em Presidente Médici jamais tinha ouvido falar da doença que a acomete e precisou pesquisar no Código Internacional de Doenças (CID) para se certificar de que a enfermidade de fato existia.
Agora, Soraia e Rafael procuram empregos para tentar reconstruir a vida e quitar a dívida de R$ 50 mil com o coiote —o responsável por conduzi-los na travessia da fronteira entre México e EUA.
“Vamos ter que recomeçar do zero. Aliás, abaixo do zero”, diz Soraia, enquanto relata o choro do filho, que deixou para trás os carrinhos de controle remoto e os donuts de que tanto gostava na Flórida.
Na foto que ainda mantém no Whatsapp, Soraia aparece sorridente com o filho e o marido na virada do ano, na Flórida. Nas camisetas dos três, os dizeres “2025, ano profético”. “Eu esperava que grandes coisas aconteceriam conosco, mas não isso”, diz Soraia.
‘VIROU UM CAÇA’
O caso da família de Rafael é particularmente dramático, mas está longe de ser único na comunidade brasileira nos EUA. Segundo a estimativa mais recente do Instituto Pew Research, com base no censo americano, há ao menos 230 mil brasileiros vivendo de modo irregular no país.
Ainda que não possam votar, muitos imigrantes brasileiros sem documentação apoiaram abertamente Donald Trump e fizeram campanha em favor dele em suas comunidades – mesmo diante da promessa do republicano de realizar “a maior deportação da história do país”, para, nas palavras dele, expulsar os estrangeiros que “estão envenenando o sangue dos Estados Unidos”.
A surpresa entre os brasileiros trumpistas ao se ver como alvo das medidas do político que apoiaram é generalizada. Depois da eleição, a Casa Branca afirmou que considera como criminosos qualquer pessoa que tenha cruzado a fronteira entre México e EUA sem visto.
Este também é o caso da migrante cubana Liyián Pérez (foto). Eleitora de Trump, vivenciou recentemente a deportação do próprio marido e relatou ao jornal argentino La Nación que achava que Trump miraria “apenas em criminosos”. Residente legal nos EUA, ela agora relata estar tendo dificuldade para sustentar a si e aos filhos sem o parceiro.
A cubana, que mora em Miami, revelou a uma rede de TV dos EUA que se sente traída pela administração do presidente Donald Trump devido à deportação de seu marido
Liyian relatou o rápido processo de deportação do marido. Contou que Alían Méndez Aguilar, 28, foi enviado para Cuba no final de abril sem qualquer tipo de aviso prévio. “A advogada me entregou um envelope amarelo com os pertences dele, e eu fiquei perguntando o que estava acontecendo e onde estava o meu esposo”.
